Por Redação Rede Brasil Atual

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seus motivos para evitar as longas conversas com jornalistas, desde que passou o cargo a sua sucessora. Segundo ele, para um chefe de Estado que acaba de deixar o posto, é questão de zelo, diplomacia e respeito. Além disso, Lula respeitou sua saúde, empregando com parcimônia o exercício da fala enquanto se recuperava de um tratamento rigoroso.

No dia 23 de setembro, ele concedeu 90 minutos de seu disputado tempo para responder a perguntas de jornalistas de um conjunto de veículos mantido pelos trabalhadores – num raro empreendimento de comunicação que une esforços de algumas das mais representativas entidades sindicais do mundo. E retomou o que promete ser uma rotina daqui para a frente. “Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Eu tenho cócegas na garganta para falar. E vocês ajudaram a quebrar um tabu, porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo”, disse. “Estou voltando, com muita vontade, com muita disposição – para felicidade de alguns, para desgraça de outros. É o seguinte: eu estou no jogo.”

Alguns dos principais jornais e portais do país até reproduziram partes da entrevista, sem a elegância de citar a fonte, ou tentando desqualificá-la – em uma demonstração prática da tese empregada pelo ex-presidente durante o diálogo: a de que a imprensa não acompanha a evolução do Brasil. Pena que para prejuízo da democracia, mas também da credibilidade dos próprios meios de comunicação.

Leia aqui o registro dos principais trechos da entrevista da qual participaram os jornalistas João Peres (Rede Brasil Atual/Revista do Brasil), Claudia Manzano e Oswaldo Colibri Vitta (Rádio Brasil Atual), Nelma Salomão (TVT), Karen Marchetti, Júlio Gardesani e Walter Venturini (ABCD Maior) e Rossana Lana (Tribuna Metalúrgica). O ex-presidente saiu da conversa ainda com fôlego para contar piadas, exibindo uma energia perturbadora para quem o queria fora do combate.

Esta foi a mais longa, mas não a primeira entrevista de Lula depois de deixar a Presidência. Em março, ele havia falado ao jornal Valor Econômico. Na ocasião, disse: “Quando era presidente, fazia questão de viajar para qualquer país do mundo e levar empresários... Viajo para vender confiança. Adoro fazer debate para mostrar que o Brasil vai dar certo. Compre no Brasil porque o país pode fazer as coisas. Esse é o meu lema. Se alguém tiver um produto brasileiro e tiver vergonha de vender, me dê que eu vendo”.

“Temos de agradecer as manifestações de junho e trabalhar para fazer acontecer as melhorias que a sociedade brasileira deseja.”

Eu acredito que o impacto de tudo que aconteceu em junho de 2013 deve servir como uma grande lição para a sociedade e, sobretudo, para os governantes brasileiros.
Certamente, muita gente de partidos políticos, sindicatos e movimentos organizados da sociedade civil foi pega de surpresa, porque foi um movimento que se deu à margem daquilo que nós conhecíamos como tradicional forma de organização. Aquilo foi um movimento em que as pessoas diziam “nós queremos mais”. Nós queremos mais educação, mais saúde, mais transporte, mais qualidade de vida. A nossa presidenta teve a sabedoria de dar uma resposta imediata, colocando a reforma política como uma coisa fundamental para que a gente possa mudar a situação do Brasil.

A sociedade brasileira mudou. Está mais exigente, tem mais informações. Em vez de ficar lamentando, temos de agradecer e começar a trabalhar para fazer acontecer as melhorias que a sociedade brasileira deseja. A única coisa grave do movimento é a tentativa de manipulação para negar a política. Toda vez, em qualquer contexto histórico, em qualquer lugar do mundo, que se negou a política, o que veio depois foi pior.

“Só teremos reforma política plena no dia em que tivermos uma constituinte própria para fazê-la. É a melhor possibilidade para mudar a lógica da política no Brasil.”

Não é fácil. É importante lembrar que fizemos a campanha das Diretas, um dos maiores movimentos cívicos deste país, fomos à rua com todos os partidos políticos, com movimento sindical, centenas e centenas de manifestações pelo Brasil inteiro, toda a sociedade querendo, e quando chegou no Congresso não tínhamos número para aprovar, e não aprovamos. Só teremos uma reforma política plena no dia em que tivermos uma constituinte própria para fazê-la. Achar que os atuais deputados vão fazer uma reforma política mudando o status quo é muito difícil.

Acredito que é possível discutirmos uma mudança na votação, votar em lista, financiamento público de campanha. Por que os empresários não estão defendendo o financiamento público? Oras, é porque a eles interessa cada um construir a sua bancada. A reforma política é a melhor possibilidade para mudar a lógica da política no Brasil. Mas nada – estou avisando com antecedência –, nada mudará para as próximas eleições. As pessoas podem querer fazer as coisas para 2018, 2020, mas para essa eu acho que não vai haver mudança.

“Quando em 2007 derrubaram a CPMF, que foi um ato de insanidade dos tucanos, fizeram isso achando que iam me prejudicar. Quem eles prejudicaram? O povo.”
O ministro Alexandre Padilha (da Saúde) sabe que o Mais Médicos não vai resolver o problema da saúde. O Mais Médicos vai dar oportunidade ao cidadão que não tem acesso a nenhum médico. E, quando esse cidadão tiver acesso ao médico, ele vai querer mais saúde, porque ele vai ter mais informações. Então, todas as vezes vai precisar formar mais gente. É um trabalho bom. Quando em 2007 os tucanos derrubaram a CPMF, fizeram isso achando que iam me prejudicar. Eles tiraram uma bagatela de R$ 40 bilhões por ano.

Soma isso em quatro ou sete anos e vê a quantidade de dinheiro que tiraram da saúde. Qual era a ideia? Vamos prejudicar o Lula. Caíram do cavalo, porque terminei meu mandato com 87% de bom e ótimo. Quem eles prejudicaram? O povo. E alguns deles viraram governador ou prefeito e agora estão sabendo a quantidade de dinheiro que falta. Então, foi um gesto de insanidade.

“Eu fui presidente e meu partido tinha 13 dos 81 senadores, e 80 dos 513 deputados. Não tem milagre. Tem de fazer coalizão.”

Eu precisaria de uma bola de cristal na minha frente, porque o que eu disser aqui pode ser desmentido em uma semana com o posicionamento de um partido político. Primeiro: trabalho com a ideia de que a presidenta Dilma deve fazer um esforço para manter sua base de sustentação. Uma coisa o eleitor precisa compreender: para a Dilma ter algo aprovado ela precisa de 41 senadores e 257 deputados. Senão, não ganha.

 Eu fui presidente e meu partido tinha 13 de um total de 81 senadores, e 80 dos 513 deputados. Não tem milagre. Tem de fazer coalizão. Veja nos Estados Unidos, onde só tem dois partidos, o que o Obama passa. Os republicanos passam oito anos sem aprovar nada. Para um candidato disputar uma eleição em condição de vitória ele precisa de uma das duas coisas: ou ter toda a elite ao seu lado, com apoio irrestrito da grande imprensa e com muito dinheiro, como foi o Collor em 1989, ou ter um partido político forte – além, claro, de um bom candidato.

“Me considero razoável de palanque.”
O meu papel será o papel que a Dilma quiser que seja. Tenho de ter muito cuidado porque não posso conversar com um partido político sem que tenha orientação da presidenta ou do partido. Uma coisa que sei fazer, e espero estar em condições para isso, é pedir voto. Me considero razoável de palanque. Gosto, me sinto bem. Certamente que hoje ela precisa menos do que precisava em 2010. Mas vou fazer o mesmo esforço que fiz em 2010. É como se fosse a minha campanha. A vitória da Dilma é a minha vitória.

 O sucesso dela é o sucesso do povo brasileiro, das camadas mais pobres. É difícil, gente, porque nem todo mundo acha prazerosa a ascensão dos mais pobres. Tem gente que fica incomodada dos mais pobres terem acesso a universidades, a restaurantes, a exposições nas bienais.
 Quanto mais o pobre ascender, melhor será para todos, já que a classe média sobe junto e todo mundo ganha. Disso que temos de ter consciência, e a Dilma pode nos ajudar a construir nos próximos anos. Como eu, ela vai fazer um segundo mandato infinitamente melhor que o primeiro.

“O PSB tem consciência da importância da Dilma, o PT reconhece a importância dele.”

Vi com certa tristeza o afastamento do Eduardo Campos (governador de Pernambuco e presidente do PSB) do governo.
 Tivemos polêmica em Pernambuco na eleição para prefeito e outra divergência em Fortaleza, e isso criou uma fissura entre o PT e o PSB. Acho que é muito importante do ponto de vista simbólico a manutenção da aliança PT-PSB. Se não der para a gente estar junto, o que precisamos estabelecer como regra é fazer uma campanha civilizada. O PSB tem consciência da importância da Dilma, o PT tem consciência da importância do Eduardo. Prefiro esperar março, até porque ele já disse que não tomará nenhuma decisão sem conversar comigo.

“Os tucanos estão num processo de fadiga de material. Está provado que o crime organizado derrotou o governo de São Paulo.”
Eles não têm mais o que propor. Isso não significa dizer que o governador está acabado. Alckmin é uma figura com força política, e precisamos ter habilidade para derrotá-lo. Acho que ele não tem mais propostas para o ABCD, ou para a região metropolitana. Não tem mais o que fazer em nível estadual. São Paulo está perdendo força, está perdendo nível industrial. Não tem proposta para a educação.
Está provado que o crime organizado derrotou o governo de São Paulo. Acredito que, se o Alexandre Padilha for realmente o indicado, teremos um ótimo candidato em São Paulo.

“Quando o julgamento terminar, eu vou ter muita coisa para dizer.”
Eu, desde o começo, tenho dito que qualquer manifestação minha (sobre o chamado mensalão) só seria feita depois de terminar o processo. Não quero ficar colocando em dúvida questões da Suprema Corte, que tem uma importância muito grande para o Brasil. Fico um pouco chateado, pois se dependesse do comportamento de um ou de outro na imprensa não precisaria nem de julgamento.
O que deve ser garantido pelo Estado de direito, algo pelo que a gente brigou tanto, para alguns editorialistas parece ser crime contra a humanidade: o direito de defesa. Quando o julgamento terminar, seja qual for o resultado, eu vou ter muita coisa para dizer a respeito.

“Tenho conversado com o Paulo Bernardo, e ele disse que faria um debate público sobre a democratização da comunicação. E não fez.”
Vamos ter em conta o seguinte: tomamos posse em janeiro de 2003. Em 2005, tivemos a movimentação do mensalão, uma questão muito delicada em que nós tínhamos de provar que o governo não estava envolvido, e ter condição para continuar governando. No meu segundo mandato, a partir de 2007, fizemos a Conferência Nacional de Comunicação (concluída em 2009, depois de etapas municipais e estaduais em que setores da sociedade debateram propostas de democratização do sistema de comunicação do país).

Uma proposta surgiu do encontro – não foi a melhor de todas as propostas, foi a que se pôde construir –, mas não andou. Não andou e acho que não foi legal não ter andado. Tenho conversado com o Paulo Bernardo (ministro das Comunicações), e ele disse que faria um debate público, que iria debater na Câmara, e não fez. Temos de ter consciência da importância da regulamentação nas telecomunicações do Brasil. Nosso marco regulatório é de 1962. Não é uma tarefa fácil.

“A imprensa sempre me tratou condignamente bem. Poucos presidentes tiveram tanta publicidade ‘favorável’ como eu.”
Esse é um debate que acontece em todo o mundo. E aqui no Brasil também vamos ter esse processo. Como aqui não tem briga, para tudo se chega a um acordo – até pra nossa independência que parecia que ia precisar de uma briga sentou-se à mesa e saiu um acordo –, como aqui para tudo tem um jeitinho, eu acho que a gente vai poder chegar a um acordo e ter uma regulamentação que seja confortável para todo mundo.

Por isso que eu não reclamo da imprensa. Eu sou até agradecido porque eu só sou o que sou por causa da imprensa. A imprensa sempre me tratou condignamente bem. Poucos presidentes tiveram tanta publicidade “favorável” como eu... (risos) Quando eles falavam mentiras sobre mim, o povo percebia. As pessoas passaram a procurar outros meios de informação que não os tradicionais.

Portanto, a imprensa só vai ganhar credibilidade se for verdadeira. Não adianta mentir. O Brasil evoluiu, e a imprensa precisa evoluir também. Eu fico vendo matérias sobre a economia e fico com a impressão de que o Brasil acaba todo dia. Tem hora que a gente fica com vontade de se trancar e nem sair de casa.

“Precisamos ver se a Copa vai fortalecer o Brasil no mundo, ou se vamos fazer uma Copa fracassada por conta de problemas internos. Acho um retrocesso as pessoas quererem fazer de uma coisa boa uma coisa ruim.”
Eu já conversei com muita gente sobre esse assunto. Com os ministros, com a presidenta Dilma, com o João Roberto Marinho, da emissora que vai transmitir, com o diretor da Ambev, um dos patrocinadores, com o Roberto Setúbal (do Itaú, também patrocinador).

Vou conversar com a imprensa esportiva, me informar sobre o acompanhamento pelo Tribunal de Contas da União, pela Procuradoria-Geral da República... O Brasil não é um país qualquer. O Brasil é a sexta economia mundial e conquistamos o direito de realizar uma Copa do Mundo. Precisamos ver se a Copa será um evento em que o Brasil vai fortalecer sua imagem para o mundo, ou se a gente vai fazer uma Copa fracassada por conta de problemas internos. Tem governo federal, estaduais e municipais envolvidos.

 O Ministério Público tem um procurador designado para acompanhar os comitês organizadores da Copa e da Olimpíada. Eu publiquei decretos em dezembro de 2009 que determinaram a criação de portais, para 2014 e 2016, para que seja acompanhado em tempo real para onde vai cada centavo da União investido nesses negócios. Não podemos permitir que alguma má informação seja passada para a sociedade sem que haja resposta. Sou um homem de muitas emoções. Mas nada foi maior do que a emoção que eu senti com a conquista da Olimpíada de 2016.

Estou com a Marisa há 39 anos e nunca a vi chorar, nem quando ganhei ou perdi as eleições, mas naquele dia, depois da apresentação do Brasil (2009, em Copenhague), eu liguei pra casa e a Marisa estava chorando. Foi um momento único. Acho um retrocesso as pessoas quererem fazer de uma coisa boa uma coisa ruim. Os governos têm de mostrar o que está acontecendo, assumir responsabilidades. As obras (de mobilidade urbana e de infraestrutura) não vão ficar? Essa é uma preocupação que eu tenho: se não for assim, vamos ter 40 mil pessoas dentro de um estádio torcendo e outras 40 mil fora dizendo que houve corrupção. É preciso construir uma narrativa do significado da Copa do Mundo e da Olimpíada para o nosso país.

“Para felicidade de alguns, para desgraça de outros, estou no jogo.”
Se tem uma coisa que eu tenho vontade é de falar. Tenho cócegas na garganta. E vocês ajudaram a quebrar um tabu, porque fazia tempo que eu não falava durante tanto tempo. E nunca imaginei que justamente pra vocês eu fosse dar a entrevista mais difícil. Estou voltando com muita disposição – para felicidade de alguns, e desgraça de outros. Estou no jogo.

Postar um comentário

Compartilhe

 
Top