Além do impeachment, há um duro golpe contra a Constituição Federal, os direitos sociais e, especialmente, a educação.
O Brasil enfrenta um duplo golpe. E os dois são articulados, interdependentes e se retroalimentam.
O primeiro golpe começou antes mesmo das eleições de 2014, quando emergiu entre empresários, economistas e políticos o falacioso discurso de que a Constituição Federal não cabe no orçamento público. Era um primeiro aviso de uma intenção real: reduzir o tamanho do Estado, o que significa inviabilizar a observância de direitos.
O objetivo desse primeiro golpe, contra o (tímido) projeto brasileiro de democracia social, é desconstruir o modelo de financiamento dos direitos sociais.
A desculpa é a defesa de que apenas soluções ultraliberais podem equilibrar as contas públicas – o que a História econômica ensina que está distante de ser verdade.
O segundo golpe é contra a democracia institucional e se expressa de maneira mais evidente com o processo de impeachment.
O afastamento da presidente Dilma Rousseff só foi possível pela emergência de uma coalizão parlamentar amplamente majoritária, composta pela unção entre os políticos liberais com os parlamentares conservadores – identificados com o fundamentalismo cristão.
O resultado é a formação de uma ampla maioria parlamentar de caráter ultraliberal em termos econômicos e ultraconservadora em termos morais e de direitos civis. Na educação, o ultraconservadorismo se expressa em torno de projetos obscurantistas, como o programa “Escola sem Partido”.
O ponto em comum dos dois golpes é o decisivo apoio do empresariado, simbolizado pelo pato (plagiado) da Fiesp. Em períodos de recessão, vale o ditado popular: “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. E assim, na avaliação da parte mais significativa dos donos do capital, os ditames constitucionais são exagerados e a experiência lulista estava cara demais, por mais tímido que o lulismo tenha sido em termos de promoção do Estado de bem-estar social. Para os endinheirados, era preciso retomar o controle e a direção dos governos.
O primeiro ataque ao projeto brasileiro de democracia social, inscrito na Constituição de 1988, foi a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, logo após a eleição de Dilma Rousseff.
Em menos de um ano, Levy implementou um grave austericídio, com efeitos bastante evidentes, como a redução da atividade econômica, o aumento do desemprego e a baixa arrecadação. Como consequência, a desigualdade aumentou e a presidenta legitimamente eleita foi acusada – não sem razão – de estelionato eleitoral.
Com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), a Folha de S. Paulo revelou que desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015), a desigualdade entre os que compõem a força de trabalho (desempregados e ocupados) aumentou quase 3%. Segundo o pesquisador Rodolfo Hoffmann (USP), é muito para um indicador que varia pouco ao longo tempo.
De 2015 até hoje, a taxa de desemprego subiu de 7,9% para 10,9% da população economicamente ativa.
Na educação, o austericídio (apelidado de ajuste fiscal) de Joaquim Levy, significou a desconstrução de programas essenciais como o Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil), o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), o Mais Educação (dedicado à expansão e manutenção da educação em tempo integral), o Ciências Sem Fronteira, além de frear a expansão de matrículas públicas federais no ensino técnico profissionalizante de nível médio e no ensino superior.
Porém, o austericídio de Joaquim Levy foi insuficiente para o gosto dos mais ricos. Não havia, entre os donos do capital, a certeza de que o governo Dilma seria capaz de desconstruir, na medida do que consideravam necessário, o lulismo e a Constituição Federal de 1988. Para viabilizar a emergência do modelo econômico ultraliberal era preciso desenhar um programa sólido e ter o controle do sistema político.
O programa desenhado foi o “Uma ponte para o futuro”, do PMDB. E o controle do sistema político foi viabilizado por meio do juridicamente discutível processo de impeachment. Para a elite econômica, Michel Temer é o homem certo, no lugar certo, no momento certo: alguém sem muitas convicções ideológicas, sem qualquer compromisso eleitoral, com trânsito político e muita ambição.
Após o afastamento de Dilma Rousseff, já como presidente interino, Michel Temer nomeou Herique Meirelles para liderar seu Ministério da Fazenda.
Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula e, por sua respeitabilidade junto ao mercado, sempre foi alçado à condição de ministeriável de Dilma. Ela, contudo, rejeitava o ex-colega de Esplanada. Em sua correta avaliação, Meirelles é ainda mais liberal do que o Joaquim Levy. E já não tinha sido fácil para a presidenta eleita ter que engolir “Chicago boy” logo após ter sido reeleita.
Temer e Meirelles, orientados pelo programa “Uma ponte para o futuro”, deram aos donos do capital aquilo que eles sempre pediram, mas nunca obtiveram da presidenta afastada: confiança.
Confiança é uma palavra forte e com inegável carisma. Segundo os dicionários de língua portuguesa, significa crença na lealdade, na competência; crença de que algo não falhará.
Sem prejuízo ao significado formal, no dicionário cru do mercado, confiança significa corresponder às expectativas. E as expectativas do capital, especialmente do capital financeiro, são claras: reduzir o tamanho do Estado brasileiro, produzir superávit primário e equacionar, tal como determina o script ultraliberal, a dívida pública.
A Constituição Federal de 1988 determinou que todos são iguais perante a lei e têm direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência – caso estejam desamparados.
Em um exame sincero de consciência, não há alguém capaz de discordar, substantivamente, que exista igualdade sem a observância desses direitos. Porém, Temer e Meirelles obedecem a um projeto que não se preocupa com isso. A maior prova é a tramitação da PEC 241/2016 que impõe um teto de 20 anos ao investimento em políticas sociais e demais gastos primários.
Se a PEC 241/2016 viger, não será possível ampliar 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil em pré-escolas, 500 mil em ensino fundamental, 1,6 milhão em ensino médio e 2 milhões em ensino superior público, entre outras metas previstas no Plano Nacional de Educação – como a melhoria do salário dos professores e outros insumos necessários para a realização do processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas brasileiras.
Para a educação, essa emenda constitucional significará a interrupção de um processo de crescimento acelerado do investimento nos últimos anos. De 2008 para cá, por exemplo, as despesas definidas na legislação como manutenção e desenvolvimento do ensino aumentaram 117% acima da inflação – e ainda assim isso foi insuficiente para expandir e melhorar a qualidade da educação.
O golpe mais visível é o golpe à democracia institucional e tem sido o que mais mobiliza parte significativa da população, especialmente em torno do “Fora Temer!”. Porém, é imprescindível que os brasileiros tenham consciência de que enfrentam também outro golpe, contra a Constituição Federal de 1988, os direitos sociais e o melhor legado do programa lulista.
Esse golpe é mais ardiloso e começou logo após as eleições de 2014, com o austericídio de Joaquim Levy, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff – que hoje diz se arrepender de ter autorizado o pacote, com a indiscutível sinceridade produzida pelos fatos da História.
Ambos os golpes são graves e devem ser denunciados e enfrentados em conjunto. O golpe à democracia institucional maculou a soberania popular e a sagrada regra do jogo eleitoral, com efeitos deletérios à viabilização de qualquer projeto de poder de centro-esquerda.
O golpe à democracia social fará com que o Brasil perenize sua gritante desigualdade, voltando a ser o país em que os governos beneficiam as 200 famílias mais ricas da população sem se preocupar, verdadeiramente, com as condições de vida dos 200 milhões de brasileiros e de brasileiras.
O Brasil não pode retroceder na História, mas tem caminhado a passos largos nesse (contra) sentido.
Fonte: Blog do Daniel Cara
O Brasil enfrenta um duplo golpe. E os dois são articulados, interdependentes e se retroalimentam.
O primeiro golpe começou antes mesmo das eleições de 2014, quando emergiu entre empresários, economistas e políticos o falacioso discurso de que a Constituição Federal não cabe no orçamento público. Era um primeiro aviso de uma intenção real: reduzir o tamanho do Estado, o que significa inviabilizar a observância de direitos.
O objetivo desse primeiro golpe, contra o (tímido) projeto brasileiro de democracia social, é desconstruir o modelo de financiamento dos direitos sociais.
A desculpa é a defesa de que apenas soluções ultraliberais podem equilibrar as contas públicas – o que a História econômica ensina que está distante de ser verdade.
O segundo golpe é contra a democracia institucional e se expressa de maneira mais evidente com o processo de impeachment.
O afastamento da presidente Dilma Rousseff só foi possível pela emergência de uma coalizão parlamentar amplamente majoritária, composta pela unção entre os políticos liberais com os parlamentares conservadores – identificados com o fundamentalismo cristão.
O resultado é a formação de uma ampla maioria parlamentar de caráter ultraliberal em termos econômicos e ultraconservadora em termos morais e de direitos civis. Na educação, o ultraconservadorismo se expressa em torno de projetos obscurantistas, como o programa “Escola sem Partido”.
O ponto em comum dos dois golpes é o decisivo apoio do empresariado, simbolizado pelo pato (plagiado) da Fiesp. Em períodos de recessão, vale o ditado popular: “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”. E assim, na avaliação da parte mais significativa dos donos do capital, os ditames constitucionais são exagerados e a experiência lulista estava cara demais, por mais tímido que o lulismo tenha sido em termos de promoção do Estado de bem-estar social. Para os endinheirados, era preciso retomar o controle e a direção dos governos.
O primeiro ataque ao projeto brasileiro de democracia social, inscrito na Constituição de 1988, foi a nomeação de Joaquim Levy ao Ministério da Fazenda, logo após a eleição de Dilma Rousseff.
Em menos de um ano, Levy implementou um grave austericídio, com efeitos bastante evidentes, como a redução da atividade econômica, o aumento do desemprego e a baixa arrecadação. Como consequência, a desigualdade aumentou e a presidenta legitimamente eleita foi acusada – não sem razão – de estelionato eleitoral.
Com base em dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), a Folha de S. Paulo revelou que desde o início do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015), a desigualdade entre os que compõem a força de trabalho (desempregados e ocupados) aumentou quase 3%. Segundo o pesquisador Rodolfo Hoffmann (USP), é muito para um indicador que varia pouco ao longo tempo.
De 2015 até hoje, a taxa de desemprego subiu de 7,9% para 10,9% da população economicamente ativa.
Na educação, o austericídio (apelidado de ajuste fiscal) de Joaquim Levy, significou a desconstrução de programas essenciais como o Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil), o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), o Mais Educação (dedicado à expansão e manutenção da educação em tempo integral), o Ciências Sem Fronteira, além de frear a expansão de matrículas públicas federais no ensino técnico profissionalizante de nível médio e no ensino superior.
Porém, o austericídio de Joaquim Levy foi insuficiente para o gosto dos mais ricos. Não havia, entre os donos do capital, a certeza de que o governo Dilma seria capaz de desconstruir, na medida do que consideravam necessário, o lulismo e a Constituição Federal de 1988. Para viabilizar a emergência do modelo econômico ultraliberal era preciso desenhar um programa sólido e ter o controle do sistema político.
O programa desenhado foi o “Uma ponte para o futuro”, do PMDB. E o controle do sistema político foi viabilizado por meio do juridicamente discutível processo de impeachment. Para a elite econômica, Michel Temer é o homem certo, no lugar certo, no momento certo: alguém sem muitas convicções ideológicas, sem qualquer compromisso eleitoral, com trânsito político e muita ambição.
Após o afastamento de Dilma Rousseff, já como presidente interino, Michel Temer nomeou Herique Meirelles para liderar seu Ministério da Fazenda.
Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula e, por sua respeitabilidade junto ao mercado, sempre foi alçado à condição de ministeriável de Dilma. Ela, contudo, rejeitava o ex-colega de Esplanada. Em sua correta avaliação, Meirelles é ainda mais liberal do que o Joaquim Levy. E já não tinha sido fácil para a presidenta eleita ter que engolir “Chicago boy” logo após ter sido reeleita.
Temer e Meirelles, orientados pelo programa “Uma ponte para o futuro”, deram aos donos do capital aquilo que eles sempre pediram, mas nunca obtiveram da presidenta afastada: confiança.
Confiança é uma palavra forte e com inegável carisma. Segundo os dicionários de língua portuguesa, significa crença na lealdade, na competência; crença de que algo não falhará.
Sem prejuízo ao significado formal, no dicionário cru do mercado, confiança significa corresponder às expectativas. E as expectativas do capital, especialmente do capital financeiro, são claras: reduzir o tamanho do Estado brasileiro, produzir superávit primário e equacionar, tal como determina o script ultraliberal, a dívida pública.
A Constituição Federal de 1988 determinou que todos são iguais perante a lei e têm direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao transporte, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade, à infância e à assistência – caso estejam desamparados.
Em um exame sincero de consciência, não há alguém capaz de discordar, substantivamente, que exista igualdade sem a observância desses direitos. Porém, Temer e Meirelles obedecem a um projeto que não se preocupa com isso. A maior prova é a tramitação da PEC 241/2016 que impõe um teto de 20 anos ao investimento em políticas sociais e demais gastos primários.
Se a PEC 241/2016 viger, não será possível ampliar 3,4 milhões de matrículas em creches, 700 mil em pré-escolas, 500 mil em ensino fundamental, 1,6 milhão em ensino médio e 2 milhões em ensino superior público, entre outras metas previstas no Plano Nacional de Educação – como a melhoria do salário dos professores e outros insumos necessários para a realização do processo de ensino-aprendizagem nas escolas públicas brasileiras.
Para a educação, essa emenda constitucional significará a interrupção de um processo de crescimento acelerado do investimento nos últimos anos. De 2008 para cá, por exemplo, as despesas definidas na legislação como manutenção e desenvolvimento do ensino aumentaram 117% acima da inflação – e ainda assim isso foi insuficiente para expandir e melhorar a qualidade da educação.
O golpe mais visível é o golpe à democracia institucional e tem sido o que mais mobiliza parte significativa da população, especialmente em torno do “Fora Temer!”. Porém, é imprescindível que os brasileiros tenham consciência de que enfrentam também outro golpe, contra a Constituição Federal de 1988, os direitos sociais e o melhor legado do programa lulista.
Esse golpe é mais ardiloso e começou logo após as eleições de 2014, com o austericídio de Joaquim Levy, ainda sob a presidência de Dilma Rousseff – que hoje diz se arrepender de ter autorizado o pacote, com a indiscutível sinceridade produzida pelos fatos da História.
Ambos os golpes são graves e devem ser denunciados e enfrentados em conjunto. O golpe à democracia institucional maculou a soberania popular e a sagrada regra do jogo eleitoral, com efeitos deletérios à viabilização de qualquer projeto de poder de centro-esquerda.
O golpe à democracia social fará com que o Brasil perenize sua gritante desigualdade, voltando a ser o país em que os governos beneficiam as 200 famílias mais ricas da população sem se preocupar, verdadeiramente, com as condições de vida dos 200 milhões de brasileiros e de brasileiras.
O Brasil não pode retroceder na História, mas tem caminhado a passos largos nesse (contra) sentido.
Fonte: Blog do Daniel Cara
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