Além dos movimentos sociais e juventude, a manifestação
contra o impeachment em São Paulo contou com uma participação expressiva
daqueles que sentiram na pele um golpe e que, mais de 40 anos depois,
enxergam os mesmos atores manipulando a sociedade em prol da
ilegalidade; “Eu sei o que é uma ditadura, eu sei o que é a tortura e
sei o que é a ilegalidade transformada em regime político. Estou aqui
para lutar contra isso”, afirma Antonio Spinosa. Confira os depoimentos
deles e da atriz Dulce Muniz
Por Ivan Longo
“Não vai ter golpe”. Essa é a máxima que vem sendo utilizada por
movimentos sociais, juventude, apoiadores do governo Dilma e por aqueles
que são contra o impeachment e foram às manifestações de rua pelo país
nesta quarta-feira (16). O termo faz referência direta a uma
movimentação, tanto na sociedade civil quanto no Congresso, pelo
impeachment sem nenhum tipo de base legal da presidenta Dilma Rousseff.
Para alguns, a utilização do termo pode parecer exagero, mas para quem
sabe o que, de fato, é um golpe, não é demais dizer que há uma tentativa
ilegal em curso.
Entre as 55 mil pessoas (de acordo com o Datafolha. Para os
manifestantes, 70 mil) que protestavam contra o impeachment em São
Paulo, diferentemente de outros atos, boa parte delas eram senhores e
senhoras com mais de 60 anos. Eles eram jovens na época da ditadura
militar que foi instaurada com o golpe de 1964 e saíram às ruas, mais de
40 anos depois, por que enxergam no atual cenário político o mesmo
ambiente criado quando o presidente João Goulart foi derrubado por
militares e forças de direita.
“A direita é sempre monolítica, é sempre golpista, sempre perversa e
sempre assassina. Essa é a mesma burguesia que deu o golpe em 64. Agora
querem dar o golpe em 2015″, disse a atriz de 66 anos Dulce Muniz, que
foi perseguida durante a época do regime militar.
“Eu fui preso político. Aliás, pertencia a mesma a mesma organização
que a Dilma, a VAR-Palmares. E eu sei o que é uma ditadura, eu sei o que
é a tortura, o que é a ilegalidade transformada em regime político, o
que é a exceção transformada em regra”, lembrou Antonio Espinosa,
professor de 69 anos.
Confira, em duas partes, a íntegra dos depoimentos daqueles que resistiram a um golpe e voltam às ruas mais de 40 anos depois.
Parte 1
Antonio Roberto Spinosa, professor, 69 anos
Eu fui preso político. Aliás, pertencia à mesma organização que a
presidenta Dilma, a VAR-Palmares. E eu sei o que é uma ditadura, eu sei
o que é a tortura, o que é a ilegalidade transformada em regime
político, o que é a exceção transformada em regra.
Então, estou aqui
para isso, para lutar contra a exceção, contra o golpe. Só para se ter
uma ideia, a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)
esteve do mesmo lado as duas vezes,: ela também apoiou o golpe contra o
Jango, contra as instituições naquele momento, e hoje novamente. É uma
situação que você tem a maioria do povo pela legalidade – ou ao menos
deveria ter – e os empresários, corruptos - aqueles que sempre lucraram
com a desigualdade social - a favor do golpe, pela ilegalidade.
Eu acho que as consequências de um golpe agora, que seria o
impeachment, seriam parecidas. Não é necessário que o golpe seja dado
pelas Forças Armadas. Pode ser dado por uma outra fração do Estado. Pode
ser dado pela burocracia, pelo judiciário, ou, no caso, pode ser dado
pelo parlamento que é exatamente a parte que se imbica com a sociedade
civil e tenta se proteger ou proteger os seus ganhos indevidos e
ilícitos.
As consequências da quebra da legalidade são sempre as mesmas.
Você sempre começa destituindo o voto popular, desmoralizando o voto
popular, e uma quebra da legalidade encadeia uma outra e uma outra. É só
o início de um processo. É isso que tem que ser barrado. Temos que
fazer valer a soberania popular.
Dulce Muniz, atriz e diretora de teatro, 65 anos
Eu era jovem em 1968, tinha 21 anos. Fui uma resistente à
ditadura militar e continuo sendo uma resistente. Estou aqui por causa
disso: não ao golpe, fica Dilma. As semelhanças entre os dois períodos
são muitas. É que a direita é sempre monolítica, golpista, perversa e
assassina.
Essa é a mesma burguesia que deu o golpe em 64, agora querem
dar o golpe em 2015. A perseguição continua. A perseguição contra Dilma.
Dilma é mulher, vive num mundo masculino e hostil e ela representa,
ainda que não faça o governo ideal para nos todos, um governo popular,
que coloca trabalhadores em posições que nunca antes tiveram.
Eu vivo a política minha vida inteira. Eu trabalho, faço meu
teatro, participo da vida da minha categoria. Eu penso que o golpe é um
golpe contra o povo brasileiro, que me atinge por que faço parte da
classe trabalhadora.
Zélio Alves Pinto, artista plástico, 77 anos
Eu estou cansado de interromperem os nossos processos, quaisquer
que sejam eles. Toda vez que o Brasil inicia um período democrático para
chegar a algum lugar acontece uma ruptura. E essa ruptura de agora é
uma das mais canalhas que tenho notícia.
Até o golpe de 64 foi menos
imoral do que esse que estão tentando fazer agora. Não que eu estivesse a
favor do golpe de 64, muito pelo contrário, mas a proposta que se faz
hoje é de uma canalhice que não se pode ficar parado. Não há como ficar
em casa lendo os jornais e aceitando o que tá acontecendo. Alguma coisa
temos que fazer e, quando digo nós, é a população. E a primeira delas é
manifestar-se. É o primeiro movimento, dizer alguma coisa. Se minha
presença quer dizer alguma coisa, o mínimo que eu faço é estar lá
presente. É isso que me move.
As semelhanças com 64 não estão na superficies, estão um pouco
mais aprofundadas. Os golpistas nunca se repetem. Há sempre um processo
que faz com que eles se estimulem a continuar. “Os golpistas” não é uma
coisa genérica, é um tipo de ser humano que quer sempre se aproveitar da
circunstância.
E os golpistas nesse momento são aqueles que querem se
aproveitar das nossas fragilidades. Então, a semelhança é essa. Houve os
golpistas em 64, e digo 64 por que foi quando estava mais aceso. Outras
tentativas ocorreram, como contra Jucelino, mas aí eu era muito
moleque. O de 64 com o que tá acontecendo agora carrega muita
semelhança. Inclusive, na ausência de lideres autênticos. Na época você
tinha líderes, mas não eram autênticos. Tanto é que quando a coisa
endureceu, foram buscar um militar. E hoje também não há essa liderança.
Com o impeachment, iríamos começar do zero novamente. Todo o
avanço social desses últimos governos se perderia. Conseguimos resgatar
boa parte da população da miséria absoluta. Esse povo está sujeito a
retornar a esse mesmo estágio que estavam até 2002.
Não tenho medo. Mas tenho vergonha. O problema é que a gente se
desentende e fica triste de ver amigos tão apaixonados por aquilo que é o
paradoxo do que você pensa. Mas tem o outro lado. É uma dor mútua.
Como eu exercia a atividade de jornalista na época da ditadura,
eu senti a opressão muito de perto. Mas a opressão nao é só aquela que
te pega pelo braço e te torce e te leva empurrando. Opressão é um
sistema que está no ar e isso é difícil de explicar por que não é
tangível. É algo que está aí e deixa as pessoas com o ombro doendo. Não é
nem medo, é apreensão.
Fotos: Ivan Longo
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