Eles não se deixaram intimidar. (Foto: Marlene Bergamo)
Paulo Nogueira via DCM em 31/12/2015
2015 foi, sob muitos aspectos, um annus horribilis, expressão latina para designar ano horrível.
Mas fragmentos de sol brilhante emergiram dos céus sombrios e prontos a despedir raios.
Abaixo, 9 deles.
- Os secundaristas de São Paulo. Eles foram a melhor surpresa do ano. Mostraram o poder da mobilização e da resistência a absurdos. Diante de uma tentativa não explicada de reorganização escolar do governo Alckmin, eles foram às ruas. Ou melhor, às escolas. Ocuparam-nas umas após outras. Fizeram Alckmin dobrar os joelhos e recuar. Não se intimidaram diante da truculência da PM de São Paulo: registros da altivez com que enfrentaram socos e cassetetes inundaram as redes sociais. Para uma cidade que parecia ter se convertido no reduto nacional dos reacionários e dos analfabetos políticos capazes de importunar petistas em locais públicos, o gesto dos secundaristas foi um sinal de esperança e redenção.
- O voto de Barroso na questão do impeachment. Ali, foi um dos momentos centrais para o desarme do golpe tramado pela associação de interesses escusos liderados por Aécio e Eduardo Cunha. Fachin, na véspera, dera surpreendentemente um voto favorável aos golpistas. Não à toa, Merval Pereira escreveu que o “caminho estava aberto”. O primeiro a votar no dia seguinte, Barroso, fechou este caminho. Com argumentos potentes, ditos em tom sereno, virou o jogo. Destroçou o voto de Fachin e deixou furioso Gilmar Mendes, que se levantou abruptamente do plenário sob a desculpa de que tinha que viajar.
- As colunas de Jânio de Freitas e Gregório Duvivier. Numa mídia dedicada ao terrorismo político e econômico, Jânio de Freitas e Duvivier, embora extraordinariamente minoritários, serviram de contraponto. Cada qual do seu jeito, deram aos leitores a oportunidade de entrar em contacto com visões diferentes daquela tão enviesada que domina jornais e revistas.
- Os processos movidos por Lula. Em 2015, Lula decidiu enfim reagir, na Justiça, a jornalistas que o insultam e acusam sem provas. Ele seguiu a lição do grande jurista alemão do século 19 Rudolph von Ihering, segundo quem você deve à sociedade buscar na Justiça reparação contra abusos. Ao fazer isso, você está dificultando a vida de caluniadores – o que é bom para a sociedade como um todo. Quem não reage, disse Ihering num livro de enorme repercussão até hoje, merece as agressões que sofre e é “um verme”.
- A lição de civilidade de Chico a playboys. Sem jamais erguer a voz e nem insultar ninguém, Chico Buarque enquadrou os playboys que se acharam no direito de importuná-lo na saída de um restaurante no Leblon. Um deles chamou-o de “um merda” por ser petista. O melhor momento da discussão se deu quando quando perguntaram a Chico o que é quem é do PT. “Petista”, respondeu ele. “O PT é bandido”, retrucou um dos playboys. “Pois para mim o PSDB é bandido. E daí?”, disse Chico. Neste instante, Chico aplicou um ippon nos que o inquiriam. Sabido depois que se tratava de jovens ricos desocupados, Chico postou no dia seguinte no Facebook a música “Vai Trabalhar, vagabundo.”
- O florescimento das bicicletas em São Paulo. Com enorme atraso em relação às grandes metrópoles mundiais, São Paulo ingressou em 2015 na Era das Bicicletas. O mérito, aí, é do prefeito Haddad, porque seus antecessores, um dos quais o arrogantemente inepto Serra, ignoraram as bicicletas como uma resposta ao congestionamento e à poluição provocadas pelos automóveis. Haddad viu o óbvio, você pode dizer. Cidades como Nova York, Londres e Paris já tinham feito o que ele fez muito antes, inspiradas em exemplos bem sucedidos como Copenhague e Amsterdã. O problema é que os prefeitos que o antecederam não enxergaram o óbvio.
- Os documentos levantados pelos suíços sobre as contas secretas de Cunha. Pode-se dizer que a carreira de Eduardo Cunha terminou ali, com o trabalho dos investigadores suíços. Não fossem eles, Cunha estaria entrando em 2016 cheio de graça para promover a causa do impeachment. É uma pena que as autoridades brasileiras não tiveram a mesma competência dos suíços para lidar com Cunha. O procurador Janot demorou meses para pedir o afastamento de Cunha mesmo de posse de provas acachapantes. E o ministro do STF Zavascki adiou para depois do recesso – fevereiro – a apreciação do pedido de afastamento. Com as mãos incompreensivelmente livres, Cunha pôde manobrar à vontade na Câmara e, por vingança, atirar o Brasil a uma profunda crise política ao acatar o pedido de impeachment feito por Hélio Bicudo.
- O fracasso dos protestos pelo impeachment e o sucesso das manifestações pela democracia. No final do ano, a avenida Paulista mostrou que caso vingue o golpe a democracia será defendida. Ao mesmo tempo, a Paulista revelou também que o entusiasmo dos analfabetos políticos com o golpe murchou. Não vai ser fácil cassar 54 milhões de votos.
- A proibição de financiamento privado de campanhas pelo STF. Foi, provavelmente, o golpe mais forte dado contra a corrupção em muitos anos no Brasil. O financiamento privado é a fonte original da corrupção dos partidos e dos políticos. Empresa nenhuma doa. Antes empresta, para receber depois de volta, multiplicado, em medidas favoráveis. O Congresso que o país tem hoje foi o pior que o dinheiro pôde comprar. Eduardo Cunha é o maior exemplo disso. Com sua capacidade de arrecadar – para depois retribuir – financiou não apenas sua própria campanha como a de um séquito de paus mandados. Com eles, dominou a Câmara, fez dela uma zona de comércio espúrio e, não bastasse isso, aprovou medidas que representam o atraso do atraso.
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